11.16.2004

O Saramago e eu. Eu e o Saramago.

E hoje, outro aniversário: a JOSÉ SARAMAGO, meu carinho, meus parabéns e meus agradecimentos especialmente pelos personagens que você incluiu na minha vida. Bem, dito isso, outra coisa: Vocês já devem ter se deparado com pessoas que vivem de“torcer o assunto“, só para incluir na conversa um determinado tema preferido. Então, é isso: eu comecei falando do aniversário dele, mas minha intenção é verdadeiramente incluir no post como foram meus encontros com José Saramago, pois é claro que tenho que tornar – mais – pública essa história. E sem mais delongas, a história começa aqui:



Quem quiser saber a versão do Saramago sobre nosso encontro, deve ler o livro „Cadernos de Lanzarote“, na data de 16 de abril de 1997 (Cadernos de Lanzarote II, na 1. edição da Cia das Letras, corresponde à pagina n°353 do Diário V). Lá, de forma sucinta e muito melhor apresentada do que eu jamais poderia, está representado nosso encontro. Por favor, apenas corrijam o fim do texto: onde está escrito Letícia Luisa, leia-se Felicia Luisa, pois a protagonista é mesmo essa que vos escreve.

Já a minha versão é bem mais longa: Saramago estava no Rio acompanhando o lançamento do livro de Sebastião Salgado. Naquele época, ele não era o ilustre Nobel, e eu já era sua fã – eu tenho um orgulho danado de dizer que conheço o Saramago muito antes dele virar moda, perdoem mais uma vez minha personalidade metida a besta. Me lembro que passei quase toda a noite em claro, escrevendo cartas para entregar à ele, que estaria no Centro Cultural Unibacno, em Botafogo, juntamente com o Sebastião Salgado e o Chico Buarque. Eu tinha acabado de ler os „Cadernos de Lanzarote I“, onde Saramago afirma que nunca se recusa a falar com seus fãs nem discutir sobre seus livros, e, sendo assim, eu sabia iríamos nos falar. Mas Saramago foi logo embora, alegando cansaço e sem falar com ninguem. Noite perdida, não desisiti. Havia um zumzum de que ele estaria no IFCS no dia seguinte. Nessa época, apesar de morar em Niteroi, eu não fazia idéia de onde era esse IFCS (Instituto de Filosofia e Ciencias Socias, lugar onde por coincidência, eu iria estudar anos mais tarde), mas acabei encontrando, e lá fui eu, com „Memorial do Convento“ e os „Cadernos de Lanzarote I“ – na bolsa, para receber autógrafos. O texto que segue em itálico, eu escrevi em meu diário - pois naquele tempo, a gente só tinha diário mesmo, nem pensar em blogs - à época do acontecido. Como vocês já perceberam, cometo muuuitos erros de português, por isso não culpem o Saramago, estou transcrevendo exatamente o que eu mesma escrevi. Se não quiser ler minha versão, é só pular essa parte. Comecei assim, em letras garrafais:

4. Feira, 16 de abril de 1997. Hoje falei com José Saramago.
IFCS. Eis que ele surge. Eu esperava apenas ao Sebastião Salgado. Consegui entregar-lhe as duas cartas, a princípio. Depois de finda a palestra, conversamos. Não foi bem assim, eu descrevo mal. Aproximei-me com o Memorial nas mãos
(refiro-me aqui ao meu livro preferido, o "Memorial do Convento“) e disse: "Gostaria de lhe dar de presente, se já não fosse seu." Ele sorriu. Eu: "Tambem lhe entreguei duas cartas.“ (refiro-me às duas cartas que havia entregue antes do começo do comício) Ele:“ Ah, foi você? Como é seu nome?“ Eu: "Felicia Luisa." Ele autografou então meu livro e seguiu. Fui atrás. Entreguei-lhe então um papel onde estava escrito: "Não é preciso ser árvore para deixar raízes", em referência a ele ter dito que, se pudesse nasceria árvore para ter raízes na terra.

Já dentro do IFCS, apresentei-lhe os "Cadernos" e disse: „Queria dizer ainda que também sou meio cética as vezes, mas que não devemos desistir nunca.“ Ele:“ Minha filha, eu sou o mais cético dos seres humanos.“ Eu: "Eu sei, mas não podemos desistir nunca." Segui-o até a porta de uma sala. Qunado José retornou à porta eu, disse-lhe: "O senhor se importa se eu lhe escrever para Lanzarote?" Ele: "Não, claro que não, escreva sempre (super eloquente). Eu: "Mas como eu escrevo??" (referindo-me ao endereço). Ele (irônico): " Ora, como escrever? Escrevendo, ora..."
(Nesse ponto, tem razão quem disse que ele é cruel: ele estava pronto para debochar de mim, ao confundir minha ignorancia de seu endereço com ignorância sobre como me dirigir a um escritor. Mas eu relevei, porque tenho bom coração...) Eu (interrompendo-o): "Mas para onde? Já lhe escrevi através da Editorial Caminho..." Ele: "Não te preocupes, isso é mesmo assim. Até chegar á Lisboa, demora cerca de 15 dias, e depois até Lanzarote...Deve estar lá sim. Já há cerca de (?) dias estou aqui, havia já uma pilha de cartas." "É, eu já sei que o senhor recebe sempre uma pilha de cartas. (Foi algo assim) ) (eu sabia do dia-a-dia do Saramago porque havia acabado de ler seu diário, nao se esqueçam) Continuei: Aliás, quando eu disse que lhe escrevi para Lisboa, José respondeu: "Não, espere, vou dar-lhe o endereço." E anotou num papelzinho o que se segue. Essa parte eu tenho que pular, já que não tenho autorização para dar o endereço dele. Mas se você gosta do Saramago, acredite em mim: escreva para Lanzarote – Canárias. Sua carta vai chegar lá...continuando com meu diário, escrevi assim: (Gente, de próprio punho, eu tenho o endereço do gênio). Depois é que se deu o diálogo referente à pilha de cartas. Despedi-me então dizendo: "É um prazer e uma honra ser contemporânea de um gênio", e beijei suas mãos. Ele então, tomou as minhas, beijou-as, beijou meu rosto e com tapinhas carinhosos na nuca, disse-me sorrindo.“Tonta, tonta, tonta“. Interrompo só para dizer que foi a 1.e única que vez que alguem me chamou de tonta e eu fiquei feliz.... Segue: Fui-me: dois autógrafos, 3 beijos, um abraço, o endereço de próprio punho, o quem mais eu poderia querer? No meio do Largo de São Francisco, resolvi voltar. Afinal, ir pra quê? Voltei e fiquei parada olhando meu ídolo. Ele me olhava também, olhava as fotos, autografava. Após alguns minutos, resolvi me reaproximar: "Tem mais uma coisa." Ele toca carinhosamente no meu braço:"Diga." "Eu também gostaria que o Baltasar tivesse vivido, e ficasse com a Blimunda." "Mas a idéia já nasceu asssim, e no fim, ela acaba recolhendo a vontade dele.“ É. Eles viveram juntos o que era pra viver." Ele, falando com uma jornalista: "É que meu editor alemão quis por que quis que o Baltasar não tivesse morrido, e se recusa a admitir essa hipótese." Eu, já penalizada:“ Eu só tive essa idéia após lê-lo nos Cadernos". ...Eu: "Na carta que lhe enviei para a Editorial, eu falei..."
Ele, me interrompendo: "Mas quando foi esta carta?“ „Mais ou menos há uns dois meses." "Eu vou receber." "Tomara. Nesta carta eu digo que sempre me lembro do senhor e da Blimunda: quando estou triste, e minha vontade esmorece, eu penso: e se a Blimunda passar por aqui e me ver nesse estado...aí eu fico logo feliz!...“ Ele me abraçou de novo e disse:“ Que menina bonita que tu és." Eu não morri, a prova é que estou a escrever aqui. Respondi: "O senhor é que é o máximo, eu o adoro. Ele me abraçou de novo. Eu:“Eu não sei mais o que dizer, é uma honra, é uma honra.“...Mais jornalistas, mais autógrafos. Alguém o pegou pelo braço. “Vamos." Foram-se. Não o vi mais de tão perto, apenas separados por uma porta de vidro. Procurei alguém que acendesse meu cigarro, estava em êxtase. Ainda fiquei por perto da porta. Eles sairam (a imprensa, José, e Sebastião Salgado), não vi para onde. Mas isso tudo aconteceu de verdade.


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Eu escrevi encontros no plural não foi? Pois é, anos depois me encontrei -de novo - pessoalmente com Saramago. Dessa vez,um encontro muito rápido, não mais que 4 a 5 minutos, só o tempo de ganhar mais uns autógrafos e trocarmos 2 ou 3 frases. Mas essa história eu conto depois. O que eu queria registrar é um lado do Saramago que as pessoas talvez desconheçam: ele sabe ser amável, atencioso, carinhoso e brincalhão, apesar de toda a mascára de empáfia que aparenta. Mascára que acredito que ele porte mais por auto-protecão. Já li histórias sobre o mau-humor e cinismo do Saramago, escrita por gente muito respeitável. Não ponho em dúvida essas palavras, só acho que Saramago deve ser um ser humano como todos nós, sujeito à erros, equívocos, crises de mau humor e coisas afins. Que ele é uma figura pública não exclui o fato de não ser perfeito. Acho também que ele não precisa de advogados - tenho a impressão de que ele pode se defender muito bem sozinho - e eu jamais teria essa pretensão. Só queria deixar aqui uma impressão - minha impressão - positiva sobre ele. Amanhã, tem mais.

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