6.26.2004

Engoli barriga

Disse que ia colar um post aqui, que roubei da Maria no Montanha-Russa e acabei nao colando nada. Agora vai.O tema é Imígracao, e trata de algumas crises pelas quais os imigrantes passam. Le aí, ó:


Crises e reflexões

No livro "Att bryta upp och byta land", de Elsie Franzén, psicóloga e psicoterapeuta além de docente em pedagogia, há uma série de coisas interessantérrimas, sobre as quais eu poderia escrever uns quinhentos posts. Não faço isso porque tenho a impressão que estaria abusando do interesse de vocês... :c) Então aqui vai apenas alguns destaques. Dentre as coisas que a autora descreve, uma delas me chamou mais atenção: o processo de crise passado pelos imigrantes.

Elsie Franzén faz um paralelo entre o processo de crise que qualquer pessoa pode sentir mesmo sem nunca sair da sua cidade de nascimento e a crise vivida por quem deixa seu país e vira imigrante numa terra desconhecida. Diz lá no livro: “Uma pessoa pode estar num estado de crise psíquica quando ela se encontra numa situação de vida em que suas experiências e modos de reação antigos não são suficientes para que ela possa entender e dominar psicologicamente de forma satisfatória sua nova situação”.

Ou seja, você não sabe como reagir ou traduzir ações e reações de pessoas, lugares, costumes estrangeiros. Você entra numa espécie de vácuo cultural e emocional. É claro que esse processo tem uma série de variáveis e depende, por exemplo, do momento e até do background da pessoa em questão, além do lugar onde ela se encontra, se é muito diferente do país de origem etc. Mesmo assim, Elsie Franzén afirma que não importa se você é um refugiado ou um imigrante que veio pro país novo de livre e espontânea vontade (como eu). Há sempre um choque, uma mudança.

Eu senti isso muito nitidamente. No início era tudo um barato, apesar das saudades da minha família. Com o passar do tempo, no entanto, a novidade foi arrefecendo e eu comecei a ver a realidade. Foi um choque verdadeiro. Achei muitas vezes que não seria forte o suficiente para enfrentar o fato de, por exemplo, ter tanto problema pra arranjar um simples emprego. A imagem que alguns suecos fazem de mim é a de uma imigrante, com tudo o que isso representa (gente estranha, que fala mal sueco, que não é exatamente honesta nem gosta de trabalhar e vive do dinheiro do social).

Isso bate de frente com a imagem que eu sempre tive de mim mesma: uma moça trabalhadora, até certo ponto inteligente, esforcada e honesta. Esse impasse, que ainda existe, é difícil de se resolver. A crise de identidade está criada. Não percebi quando deixei de ser um recurso e passei a ser um problema. O lance é que os imigrantes na Suécia hoje são vistos como um grupo homogêneo, não importando se são turcos, iugoslavos, iranianos, chilenos ou brasileiros. Ninguém é visto como um indivíduo, mas como uma massa de gente diferente – e, muitas vezes, indesejável.

Alguns momentos do livro:

“O migrante não volta nunca mais, mesmo quando ele retorna ao seu país. A viagem [de imigração, de ida] irá modificá-lo pra sempre”. (Elsie Franzén, página 54)

“Largar tudo e mudar de país em idade adulta é para a grande maioria das pessoas um acontecimento central na vida”. (E.F., p. 54)

“Independente da causa da vinda para o país novo, os primeiros tempos são descritos como uma experiência positiva e excitante. (...) quase como uma lua de mel.” (E.F., p. 57)

“[Mais tarde], as pequenas dificuldades do dia-a-dia finalmente aparecem. (...) E é esse mal-estar que aos poucos vai se instalando na surdina que pode iniciar uma crise.” (E.F., p. 58)

“Costuma-se dizer que a crise tem como motivo uma perda traumática. No caso dos imigrantes, não é apenas uma perda, mas muitas perdas.” (E.F., p. 58)

“Possuímos psicologicamente os lugares onde nos sentimos em casa – uma cidade, uma floresta, uma praia. Essas propriedades emocionais não podem ser vendidas ou trocadas por outras.” (E.F., p. 59)

“O idioma é perdido. (...) Aqueles que querem participar da sociedade sueca precisam aprender a falar sueco.” (E.F., p. 60)

“Por fim, a pessoa perde com a imigração uma parte do que ela entendia como sua identidade”. (E.F., p. 61)

Completando o post, queria dizer que o livro dá uma visão otimista dessa crise passada pelos imigrantes. Elsie Franzén explica que construímos nossas identidades com a ajuda da interação que estabelecemos com outras pessoas, entidades, grupos. Quando isso desaparece, parte da nossa identidade some. Ao mesmo tempo em que a falta dessa definição nos deixa alquebrados, ela nos permite um processo de renovação. E é nesse sentido que Franzén também analisa a palavra “crise”.

Ela diz lá no livro que a palavra “crise” vem do grego “krisis” (não sei se em grego é com “k” ou com “c” – no livro, em sueco, está com “k”. Então, aos puristas gregos, minhas desculpas antecipadas) e que quer dizer “decisivo”. É por isso que dizemos que “alcançamos o momento crítico do jogo”. A partir dali, as coisas mudam. Cabe a nós trabalhar pra que a mudança ocorra ao nosso favor, né não?
Escrito por Maria às 12:12 PM

Um comentário:

Maria Fabriani disse...

Oi Felicia! Obrigada por ter citado a fonte do post. Um abraco!

 
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