“Nacer mujer es el mayor desafio” Essa afirmativa de Amélia (II; pág. 112) indica o enredo que se desenrolará em “La Casa de Bernarda Alba”, de Federico Garcia Lorca: o drama de ser mulher na sociedade espanhola.
Enredo: Trata-se da história de uma família composta por Bernarda Alba - uma mãe castradora, que dirige a família com mãos de ferro - e suas cinco filhas. Com elas vivem também a avó, já senil, a governanta Poncia e uma outra criada. Entre essas mulheres há uma relação repleta de conflitos e tensões: A irmã mais velha, Angústias, está noiva de Pepe Romano, porém este se encontra às escondidas com Adela, a irmã mais jovem. Por sua vez, Martírio, outra das irmãs, também está apaixonada por Pepe. Enquanto as personagens preparam o enxoval de casamento, desenrola-se o drama em meio à confidências, ódios, invejas e hipocrisia. Em meio ao atrito entre as personagens, vamos conhecendo sua cosmovisão. Ao final, a relação secreta entre os dois amantes vêm à tona, fazendo com que Pepe Romano fuja e Adela cometa o suicídio.
A temática centra-se na questão do despotismo – o que não terá sido mera coincidência, uma vez que o drama foi escrito em 1936, época de fortalecimento da direita fascista em Espanha, que viria a assassinar Federico pouco depois. Uma analogia direta entre texto e conjuntura social aponta para um regime ditatorial que se reproduz nas relações interfamiliares e interpessoais das personagens. Outra leitura possível nos leva a refletir sobre a questão da sexualidade reprimida, já que o drama trata também desse conflito. É possível imaginar que esse tenha sido um tema muito significativo para o autor, reconhecidamente homossexual, o que nos permite inferir quão difícil deve ter sido vivenciar sua opção sexual numa sociedade tão conservadora e retrógrada como a de então: ser homossexual era com certeza carregar consigo um estigma muito maior do que o fato de ser mulher.
As personagens principais e sua caracterização: Os personagens se dão a conhecer através de comentários explícitos feitos por outros personagens em sua ausência, como por exemplo, quando Poncia se refere à Bernarda: “Tirana de todos los que la rodean.” (I, pág. 141), ou ainda quando Magdalena se refere a Pepe: “tiene veinticinco años y es el mejor tipo de todos estos contornos.” ((I, 176). Mas também há referencias a respeito de como se vêem a si mesmos, como nos indica a personagem Adela:” !No quiero perder mi blancura en estas habitaciones!”(I, 180). Abaixo, algumas atribuições físicas, morais e psico-ideológicas acerca dos personagens:
- Bernarda: Uma mulher de 60 anos, conservadora, de caráter forte e dominador. Quando se inicia o drama, acaba de se tornar viúva pela segunda vez. Do primeiro casamento nasceu sua filha Angústias; do segundo nasceram outras quatro: Magdalena, Amelia, Martirio y Adela. Bernarda representa a repressão, a falta de liberdade; alguém que observa estritamente às normas sociais e convenções, levando a família a viver sob absoluta ditadura. Ao entrar em cena, trás consigo um bastão, símbolo de força e domínio.
- Poncia: Governanta da casa, 60 anos. Faz comentários ácidos acerca de Bernarda, e às vezes parece ter com esta mais liberdades do que uma empregada normal teria. Em algumas passagens, Poncia toma para si o papel de “administrar” as tensões existentes.
- Angústias: Filha do primeiro casamento de Bernarda, 39 anos. Está noiva. É a única das irmãs com uma boa situação financeira (devido à herança de seu pai). Submissa e resignada, é descrita por sua irmã Magdalena como “vieja, enfermiza y que siempre há sido la que ha tenido menos mérito de todas nosotras” (I, pág. 175).
- Magdalena: 30 anos. É outra das filhas, representa a mais completa resignação sob sua mãe, a quem em tudo obedece.
- Martírio: 24 anos. Apaixonada por Pepe Romano, noivo de Angústias. Pode ser vista como símbolo de inveja. Sobre seu caráter, diz Poncia : “Es la peor. Es un pozo de veneno. Ve que Romano no es para ella y hundiría el mundo si estuviera en su mano” (III, pág. 261)
- Adela: 20 anos. Se caracteriza por oposição às suas irmãs, por sua ânsia de viver plenamente, de ser livre. Adela rejeita a submissão ao código de honra que lhe é imposto e se afirma livre para viver sua sexualidade: !Mi cuerpo será de quien yo quiera! (II, pág. 202). É ela também quem descumpre o período de luto e usa um vestido verde – ainda que seja somente para ir ao galinheiro - o que significa uma afronta absoluta às convenções sociais. Como símbolo maior de sua rebeldia, quebra o bastão, um dos símbolos de poder de Bernarda.
- Maria Josefa: Mãe de Bernarda Alba, tem 80 anos e encontra-se senil. Bernarda a mantém encerrada dentro de casa.
- Pepe el Romano: Jovem rapaz do povoado, torna-se noivo de Angústia por interesse em seu dinheiro. Seu personagem não aparece em cena em nenhum momento, mas ainda assim tem importância fundamental no decorrer dos acontecimentos, por se tratar do objeto de desejo e de inveja das mulheres da casa.
- A Criada: 60 anos. Seu personagem, juntamente com Poncia é quem nos apresenta e nos dá as uma imagem inicial acerca do personagem- título.
O nome das personagens também indica algo sobre elas: Alba , que quer dizer alva, muito branca, sem mácula; Martírio, a que martiriza às outras com sua inveja; Angústias, a que vive a angústia de ser a mais velha e mais feia de todas. (A título de curiosidade, pesquisei no Google sobre significado de nomes e cheguei ao seguinte resultado: Amélia – sofredora, cúmplice; Adela – nobre; Bernarda – forte como um urso...)
Estrutura da obra e alguns componentes:
A peça se divide em três atos, obedecendo à clássica estrutura de exposição, desenvolvimento e desenlace, e todos eles se passam no interior da casa de Bernarda Alba. No primeiro, vemos como é a relação de Bernarda com sua empregadas e suas filhas. No segundo, revela-se questão do amor por Pepe Romano, que ao final do terceiro ato, resultará em tragédia. A linguagem utilizada é bastante coloquial, e a obra é apresentada sob a forma de diálogo.
Ao início de cada ato, o autor indica como será sua ambientação ou cenário que o compõem (acotaciones): O lugar onde se dará o primeiro ato será uma “habitación blanquíssima del interior de la casa de Bernarda. Muros gruesos” Aí há também “cuadros con paisajes inverosímiles de ninfas o reyes de leyenda” (I, 139). Uma interpretação psicológica possível poderia ser a de um lugar monocromático, ou seja, opressivo. Os muros grossos podem ser associados a uma prisão, e a única possibilidade de fuga desse ambiente seriam o sonho e a fantasia, representados pelos quadros.
O segundo ato, onde Lorca indica também um cenário branco, se passa também no interior da casa de Bernarda. As irmãs estão reunidas, bordando em um cômodo de onde se pode avistar os quartos de dormir, o que poderia significar um pouco acerca de sua intimidade. Já o terceiro ato será representado no pátio interior da casa de Bernarda. (Sequencialmente, é possível afirmar que o drama interioriza-se cada vez mais). Através das demarcações (ou acotaciones ) também é possível conhecer mais acerca do estado de espírito do personagens. Por exemplo:
ADELA (con sarcasmo): ! Se necesita buen humor! (II, 209)
ou
ADELA (con emoción contenida): !Pero Pepe el romano...! (I, 179)
Outras acotaciones informam sobre a acústica, o tom de voz, música, acessórios, etc. que teriam a função de mostrar o drama de forma realista (Federico diz logo depois da apresentação dos personagens, às pags.138, que “...estos tres actos tienen la intención de un documental fotográfico.)
No espaço onde o drama se desenrola apresenta-se o antagonismo entre interior-privado (lugar de mulheres) x exterior-público (lugar de homens), o que se relaciona perfeitamente com o subtítulo da obra - Drama de Mujeres en los Pueblos de España. A casa é um símbolo de conservadorismo, de integridade e respeito às normas.
Comentário: Lorca é um velho conhecido, e foi com muito prazer que voltei a relê-lo. Escrever sobre sua obra também me fez recordar um pouco do meu passado, onde eu mesma atuei e trabalhei junto à um grupo teatro amador. Nunca tive a oportunidade de assistir a uma exibição d’A Casa de Bernarda Alba, porém no que diz respeito ao texto, só posso recomendar sua leitura.
Obras consultada:
Garcia Lorca, Federico: La casa de Bernarda Alba. Madrid: Cátedra Letras Hispânicas, 2006.
Observações: Detalhar.